sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Leia a COLUNA DA MICHELINE MATOS


A saga de quem voltou para terrinha

 
A canção de Luiz Gonzaga diz:
“Quem sai da terra natal
Em outro canto não pára
Só deixo o meu cariri
No último pau de arara”.

Cresci ouvindo esse refrão no velho fusca do meu pai, fã incondicional do rei do Baião. Nem imaginava que sairia de casa tão cedo e que levaria quase três décadas para voltar a viver no Cariri. Rodei o Brasil e alguns cantos desse mundo até que um mapa desenhado por Deus e não por mim, me trouxe de volta em 2015. Eu nunca tive apego a lugares, pois sempre me senti do mundo.

Voltar as vezes é desejo, outras, necessidade e tudo há de ser compreendido como escolha. As histórias reais que trago hoje são completamente diferentes. Nossa primeira personagem que nem é filha da terrinha, mas que chegou ainda na primeira infância, desenvolveu o sentimento de pertença dos que vivem e nunca saíram daqui. A segunda história é de um filho da terra que saiu cedo e que como eu voltou muitos anos depois.

 
  A Tecnóloga em Gestão de Recursos Humanos, Sandra Batista chegou a Brejo Santo aos 4 anos. Filha de pais caririenses de Missão Velha, a família estava fazendo o movimento de volta depois de anos vivendo no sudeste. Ela cresceu aqui em uma família católica praticante e logo se envolveu com grupos de jovens da Igreja e movimentos dentro da catequese. Aos 18 anos, no auge das escolhas da juventude decidiu partir. Quem mora em cidade pequena sabe que o principal motivo que leva um jovem a sair dali são os estudos universitários, mas com Sandra o chamado foi outro.

Eu sentia um desejo imenso de servir a Deus e aos irmãos através da vida religiosa. Então comecei o processo de discernimento vocacional. Fui para Vitória da Conquista, Bahia para viver uma experiência mais aprofundada. Abracei ali, a vida religiosa”. Relembra Sandra que viveu em um convento durante sete anos, dois desses como freira.

Os anos mais intensos da juventude ela passou no convento. Mas um dia em suas reflexões percebeu poderia servir fora dos muros eclesiásticos. Mesmo assim, ainda passou um tempo para se desligar dali, como ela mesma explica: “Assim como fiz o discernimento para entrar passei pelo o mesmo processo para sair. Até que em 2008 saí do convento e fui viver São Paulo e ali fiquei durante um ano, encararando uma vida totalmente nova. Apesar de todos os conflitos e dificuldades que habitavam o meu mundo, não houve arrependimentos”.

O seu retorno ao Cariri aconteceu depois de nove anos desde sua entrada no convento. Não houve planejamento, pois como sua mãe adoeceu e necessitava de cuidados, ela veio e foi ficando.

“Não foi fácil voltar depois de tantos anos servindo a vida religiosa. As pessoas ainda me olhavam como se eu fosse freira e muitas vezes me senti cobrada por algo que eu não poderia mais dar. Hoje vejo que a minha experiência no convento me tornou uma pessoa com consciência da clareza da presença de divina e que o Deus que habita em mim é um Deus Humano que ama, acolhe e perdoa”.  Reflete Sandra, hoje estudante de pós graduação em Coaching e Desenvolvimento e Competências.

Quando indagada sobre a volta ao cariri ela afirma: “Não sei se o fato de retornar foi um acerto, mas tenho claro que ao passo que fico vou construindo a minha história. Sou grata por tudo. E pelos novos sonhos que busco”. Conclui.


Já a história do engenheiro civil e empresário Gustavo sousa tem um outro viés. Saiu de casa cedo para estudar e só voltou depois de vários anos. Ele tem uma frase que costumo repetir quando alguém me pergunta como foi a minha volta para terrinha: Dando murros no vento! Falamos isso porque o voltar não era uma decisão planejada, cheia de objetivos claros e metas. Era mais ou menos um tiro no escuro, era largar tudo que foi construído lá atrás e recomeçar.

E recomeçar não é uma palavra que intimida Gustavo. Depois de concluir a faculdade de engenharia civil em Campina Grande, na Paraíba, fez mestrado e logo depois foi chamado para participar de projetos da UFPE Universidade Federal de Pernambuco, aonde por três anos atuou.

E para ele não bastou ser engenheiro. Seu amor pela área de informática deu frutos cedo, quando teve o primeiro contato com a linguagem de programação de computadores, ainda em 1994.

“Durante a faculdade estagiei em uma empresa aonde pude aprimorar esse conhecimento que me levaria futuramente a ter uma empresa desenvolvedora de sistemas”. Recorda o engenheiro.

Quem o conhece sabe que trabalho é quase um mantra em sua rotina, mas em Recife, meados de 2009, a carga de trabalho o massacrava e demandava os três turnos do dia. Dois nos projetos da universidade e um, dedicado a sua empresa, a Rede Software, que começou num apartamento ali na capital pernambucana. Tudo isso trabalhando ao lado da sua esposa e sócia klecia Forte.

Aliás, foi ela quem deu a ideia de largar tudo e voltar para o Cariri, como ele mesmo conta: “Estávamos estafados e uma noite chegando em casa, ela soltou essa. “Quer saber de uma coisa? Vamos embora! Vamos para o Brejo!” . Duas semanas depois estávamos aqui”. Relembra.

A organização do cotidiano não foi fácil. Eles só tinham uma certeza: Deveriam trabalhar muito, pois na época ninguém conhecia suas obras de engenharia e muito menos como empresários na área de criação de sistema de software.

“Precisávamos manter a nossa renda, dessa vez com algo nosso e para isso trabalhamos tanto quanto em Recife, ou mais. Mas gastávamos menos também”. Explica Gustavo, que hoje conseguiu seu espaço em Brejo Santo e região. Sua empresa, a Rede Software gera quase 10 empregos e seu nome está em diversas placas de obras pela cidade.

É muito bonito ver como o ser humano pode reinventar a sua história quando não tem medo de fazer escolhas, quando decide agir dando o melhor de si para transformar a situação que o incomodava em algo gratificante de se viver. E desse texto eu mando um alô a todas as pessoas que desejam sair da sua zona de conforto e arriscar.

Micheline Matos
Jornalista, fotógrafa, mãe de menina e de cachorros, nas horas vagas escreve em cadernos de arames.