A MEDICALIZAÇÃO DO
FRACASSO ESCOLAR
Medicalizar o fracasso
escolar é interpretar o desempenho escolar do aluno que contraria aquilo que a
instituição espera dele em termos de comportamento ou rendimento como sintoma
de doença localizada no indivíduo, cujas causas devem ser diagnosticadas.
(ZUCOLOTTO, 2007, p. 137).
Seguindo
esta lógica, se evidencia na atualidade a cultura da patologização dos
comportamentos humanos tanto no contexto social quanto no meio educacional, e
neste segundo, se propagando o discurso de que as dificuldades de aprendizagem
estão relacionadas às incapacidades individuais dos que não conseguem obter
rendimentos satisfatórios na escola.
Diante
do fracasso escolar, e das intervenções do Estado em busca de uma “higiene
escolar”, segundo Zucolotto (2007), como herança do discurso médico propagado
durante o Brasil Império e o Estado Republicano, além de interferirem na
família, os médicos passam a definir regras para a organização e funcionamento da
educação escolar, configurando um espaço de aprendizagem civilizatório onde era
necessário formar o homem dominando a natureza na qual se encontrava, para que
através da educação se produzisse uma sociedade regenerada.
Para a
construção de um modelo social que corresponda aos objetivos do Estado e a
prática biomédica, desenvolveu-se no contexto das instituições de ensino, o que
Corrêa (S/A) concebe como lógica patologizante, que vem sendo imposta a
crianças e jovens de classes sociais diversas, na qual somente o indivíduo é
responsabilizado por seu problema, não sendo incluído nenhum outro contexto,
grupo ou problemática que o sujeito esteja inserido, e que possivelmente
influenciará no seu sucesso ou fracasso escolar, o que resulta, na maioria dos
casos em um tratamento medicamentoso que responda aos anseios imediatistas da
família e da própria instituição de ensino, que visa a reprodução de sujeitos
obedientes e adaptados às normas vigentes.
Nesse
sentido, baseando-se nas problemáticas apresentadas por M. Foucault em seu
texto O nascimento da medicina social,
contido no livro Microfísica do Poder,
é possível compreender o processo de medicalização da sociedade - que se
estende ao âmbito escolar - como mecanismo de controle social, voltados para a
utilização do corpo enquanto força de produção, e realidade biopolítica,
concepção nascida junto com a medicina moderna, que em uma visão
individualista, conhecendo unicamente a relação de mercado do médico com o
doente, passa a ignorar a dimensão global e coletiva da sociedade (FOUCAULT,
1984).
Para
Corrêa (S/A), a normatização de comportamentos, estabelece critérios que
separam os indivíduos de acordo com o funcionamento dos mesmos dentro de
expectativas geradas socialmente, estando de um lado os que correspondem ao
desempenho exigido por seus pares, e de outro os que não conseguem atingir seus
melhores rendimentos.
Nesse
sentido, é possível perceber a crescente busca por diagnósticos que indiquem
“anormalidades” em estudantes que não correspondem às expectativas das escolas
onde estudam ou de suas famílias, que aliados aos sistemas mercadológicos e
farmacêuticos, encontram em manuais de diagnósticos sinais e sintomas que
indicam padronização ou a transformação de comportamentos singulares em
patologias.
Para
Ceccarelli (2010), a contemporaneidade tem passado por uma patologização da normalidade, entendida por ele como processo
gerador de regras sociais e normas comportamentais que rotulam e punem sujeitos
que procedem fora dos parâmetros, não sendo levada em conta a dinâmica
particular de cada indivíduo.
A
educação não tem escapado desse processo patologizante, e por vezes tem se
rendido aos rótulos que classificam as crianças de acordo com a sua
produtividade, o que tem resultado em uma série de problemáticas que envolvem
aprendentes, professores, família e a psicologia escolar que tem tentado
corresponder às demandas emergentes e que estão além dos catálogos de doenças
que têm acompanhado a vida dos sujeitos desde o início de suas existências.
David Junior
Psicólogo
REFERÊNCIAS:
ZUCOLOTO,
P. C. S. V., O médico higienista na
escola: as origens históricas da medicalização do fracasso escolar. Rev.
Bras. Crescimento Desenvolv. Hum. 2007; 17(1): 136 – 145.
CORRÊA,
A., R., M. Infância e Patologização:
crianças sob controle. Revista Brasileira de Psicodrama. (S/A).
FOUCAULT,
M. Microfísica do Poder. 2. Ed. Rio
de Janeiro: Graal, 1984.
CECCARELLI,
P. R. A patologização da normalidade.
Estudos em Psicanálise – Aracajú – n. 33 – p. 125 – 136. Julho. 2010.