segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Leia a COLUNA DO DAVID JÚNIOR


A MEDICALIZAÇÃO DO FRACASSO ESCOLAR

Medicalizar o fracasso escolar é interpretar o desempenho escolar do aluno que contraria aquilo que a instituição espera dele em termos de comportamento ou rendimento como sintoma de doença localizada no indivíduo, cujas causas devem ser diagnosticadas. (ZUCOLOTTO, 2007, p. 137).

            Seguindo esta lógica, se evidencia na atualidade a cultura da patologização dos comportamentos humanos tanto no contexto social quanto no meio educacional, e neste segundo, se propagando o discurso de que as dificuldades de aprendizagem estão relacionadas às incapacidades individuais dos que não conseguem obter rendimentos satisfatórios na escola.
            Diante do fracasso escolar, e das intervenções do Estado em busca de uma “higiene escolar”, segundo Zucolotto (2007), como herança do discurso médico propagado durante o Brasil Império e o Estado Republicano, além de interferirem na família, os médicos passam a definir regras para a organização e funcionamento da educação escolar, configurando um espaço de aprendizagem civilizatório onde era necessário formar o homem dominando a natureza na qual se encontrava, para que através da educação se produzisse uma sociedade regenerada.
            Para a construção de um modelo social que corresponda aos objetivos do Estado e a prática biomédica, desenvolveu-se no contexto das instituições de ensino, o que Corrêa (S/A) concebe como lógica patologizante, que vem sendo imposta a crianças e jovens de classes sociais diversas, na qual somente o indivíduo é responsabilizado por seu problema, não sendo incluído nenhum outro contexto, grupo ou problemática que o sujeito esteja inserido, e que possivelmente influenciará no seu sucesso ou fracasso escolar, o que resulta, na maioria dos casos em um tratamento medicamentoso que responda aos anseios imediatistas da família e da própria instituição de ensino, que visa a reprodução de sujeitos obedientes e adaptados às normas vigentes.
            Nesse sentido, baseando-se nas problemáticas apresentadas por M. Foucault em seu texto O nascimento da medicina social, contido no livro Microfísica do Poder, é possível compreender o processo de medicalização da sociedade - que se estende ao âmbito escolar - como mecanismo de controle social, voltados para a utilização do corpo enquanto força de produção, e realidade biopolítica, concepção nascida junto com a medicina moderna, que em uma visão individualista, conhecendo unicamente a relação de mercado do médico com o doente, passa a ignorar a dimensão global e coletiva da sociedade (FOUCAULT, 1984).
            Para Corrêa (S/A), a normatização de comportamentos, estabelece critérios que separam os indivíduos de acordo com o funcionamento dos mesmos dentro de expectativas geradas socialmente, estando de um lado os que correspondem ao desempenho exigido por seus pares, e de outro os que não conseguem atingir seus melhores rendimentos.  
            Nesse sentido, é possível perceber a crescente busca por diagnósticos que indiquem “anormalidades” em estudantes que não correspondem às expectativas das escolas onde estudam ou de suas famílias, que aliados aos sistemas mercadológicos e farmacêuticos, encontram em manuais de diagnósticos sinais e sintomas que indicam padronização ou a transformação de comportamentos singulares em patologias.
            Para Ceccarelli (2010), a contemporaneidade tem passado por uma patologização da normalidade, entendida por ele como processo gerador de regras sociais e normas comportamentais que rotulam e punem sujeitos que procedem fora dos parâmetros, não sendo levada em conta a dinâmica particular de cada indivíduo.
            A educação não tem escapado desse processo patologizante, e por vezes tem se rendido aos rótulos que classificam as crianças de acordo com a sua produtividade, o que tem resultado em uma série de problemáticas que envolvem aprendentes, professores, família e a psicologia escolar que tem tentado corresponder às demandas emergentes e que estão além dos catálogos de doenças que têm acompanhado a vida dos sujeitos desde o início de suas existências.
                David Junior
Psicólogo
REFERÊNCIAS:
ZUCOLOTO, P. C. S. V., O médico higienista na escola: as origens históricas da medicalização do fracasso escolar. Rev. Bras. Crescimento Desenvolv. Hum. 2007; 17(1): 136 – 145.
CORRÊA, A., R., M. Infância e Patologização: crianças sob controle. Revista Brasileira de Psicodrama. (S/A).
FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. 2. Ed. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
CECCARELLI, P. R. A patologização da normalidade. Estudos em Psicanálise – Aracajú – n. 33 – p. 125 – 136. Julho. 2010.