Salete, a samaritana do Século XXI
“Quando uma mulher Samaritana veio tirar água, Jesus lhe disse: ‘Você vai me dar de beber? (Seus discípulos tinham ido à cidade comprar comida). A mulher Samaritana lhe disse: ‘Você é um Judeu e eu sou uma mulher Samaritana. Como você pode me pedir água?” (Pois os Judeus não se dão com os Samaritanos.) “(Vs.7-9). Todo aquele que beber desta água tornará a ter sede, mas quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede. Na verdade, a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água a jorrar para a vida eterna.” A mulher disse-lhe: ‘Senhor, dá-me dessa água, para que eu nunca mais fique com sede e tenha que continuar vindo aqui para tirar água.” Ele lhe disse: Vai, chama o teu marido e volte. ‘“Eu não tenho marido”, ela respondeu. Jesus disse-lhe: “Você tem razão quando diz que não tem marido. O fato é que tiveste cinco maridos, e o homem que você tem agora não é seu marido. O que você acabou de dizer é verdade” [3]. ‘Senhor ‘, disse a mulher, “Eu posso ver que você é um profeta. Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis que o lugar onde se deve adorar está em Jerusalém.” Esta passagem tem sido frequentemente interpretada da seguinte forma: Jesus inicia uma conversação espiritual (vs.10).
Hoje, 07 de março de 2018, véspera do dia internacional da mulher, mais uma história cotidiana. Ao entardecer deste dia sigo em busca da SAMARITANA do século XXI na comunidade do Morro Dourado. Ao adentrar em sua casa, detenho-me com uma mulher simples, mas rica em sabedoria de vida, vida de quem soube superar com dignidade as adversidades surgidas ao longo dos seus 72 anos de idade. Está ela, sentada com um sorriso que só ela sabe dar! Sim, o sorriso de Maria Salete Coelho, nascida em Brejo Santo. Por que Salete? Porque é uma mulher conhecida por todos, e não esconde seu passado de ninguém, traz ensinamentos a todas nós mulheres de como vencer uma “guerra”, por mais difíceis que sejam nossos adversários.
Fiquei a vontade com Salete, a conversa foi emocionante. A cada pergunta, uma resposta dita com entusiasmo e um sorriso largo, que parecia dizer: eu venci! Filha de Maria Nazaré da silva e José Coelho da Silva, seu padrinho foi Padre Pedro, seus irmãos Francisco, Geraldo, Maria Coelho. Salete nascera de forma extraordinária, o parto foi na maternidade da vida. Nascera em uma cabine de um carro velho, seus pais estavam migrando da Paraíba (Cajazeiras), sua mãe estava grávida e em uma noite de tempestades, não deu tempo chegar ao hospital e seu pai coloca sua mãe em uma boleia de um carro velho em um terreno perto da máquina do arroz. Pois bem, Salete sorrir dizendo sua primeira façanha na vida. Na minha imaginação, via as cenas, viajei na história de Salete junto com ela. Cada narração, um cenário. Agora a cena era de que ao amanhecer, seu pai se encontrara com Chico Inácio e o mesmo se encarregara de buscar uma enfermeira no hospital de Dr. Cledson. Ao chegar a enfermeira no local para ajudá-las, havia uma cobra debaixo do banco do carro. E agora? Graças a Deus estava passando um senhor chamado Zé do Galo, que espanava casa, com uma vara e este consegue matar a cobra. Seguindo com a história, passa o Sr. Zé Barro carroceiro e leva mãe e filha até o hospital para consulta.
Depois desta primeira aventura, começa a despontar o lado das perdas na vida de Salete. Com apenas 15 dias de nascida, sua mãe tentando acalentá-la, sofre uma queda da rede, fratura a bacia, tem uma hemorragia e não resiste, pouco tempo depois falece. Fica Salete, sozinha, sendo criada pelo pai, aonde ia levava consigo. Salete diz que foi que contaram tudo isso. A vida segue, mas as dificuldades aumentam. Uma senhora que morava na serra, sempre pedia ajuda para selar o cavalo ao seu pai. Um dia o pai de Salete se ausenta, esta dita senhora, chega na casa, não encontra ninguém, retira Salete da rede e a leva consigo. O pai ao chegar em casa e não vê a filha, culpa a outra irmã Maria Coelho, por não prestar atenção. Foram 3 meses de busca até que encontra e traz a menina de volta. Mas a alegria duraria pouco, seu pai estava cavando uma cacimba e por ironia do destino, a cacimba arreia e seu José Morre dentro. Salete volta a ser criada por esta senhora que vai pegá-la no dia do enterro do seu pai.
Todos nós passamos pelas fases da infância, adolescência, adulta e por fim velhice. Pois bem com Salete foi diferente, ela viera descobrir sua infância aos 10 anos de idade, não tinha noção de que se tratava. Nunca brincou, como as outras crianças da sua época. Foi crescendo, sentia diferença no tratamento da mãe, adotiva. Estranhava seus irmãos louros e olhos azuis. Um dia, ela comprou um espelho redondo e descobriu a verdade. Sentia-se insatisfeita, pois se sentia escrava, fazia de tudo de varrer terreiro até carregar água, seu pai adotivo colocava duas latas em um cabo de madeira. Salete criança, não suportava mais aquela vida, om apenas 11 anos de idade já tinha tentado fugir várias vezes e não conseguia. Certa vez, um vaqueiro de Antonio Martins foi pegar um gado, na ocasião Salete aproveitou e fugiu debaixo do Xibão do vaqueiro. Salete foi morar na Cachoerinha com a Família de Sr. Antonio Martins e Dona Sinhá. Certa vez, já com seus 13 anos de idade foi até a roça, um rapaz lhe seguiu (disse o nome, mas pediu anonimato) e a estuprou. Não disse nada ninguém, começa seu calvário, disse Salete. Sua irmã Maria Coelho que morava no Cabaré de Chica Boa, vai buscá-la para morar com ela, mas como a irmã já vivia na prostituição ela seguiu o mesmo caminho. Disse que não possuíra chinelo nem vestido de tecido, seus vestidos eram de saco, coloridos com tintas, seus chinelos eram de palha de bananeira.
As cortinas da vida abre-se para menina Salete, de forma diferente de “brincar”. Começa a servir os homens no Cabaré de duas jovens, uma delas é Chica Boa. Diz em seu diálogo: “Maria arranjava um homem pra ela e outro pra eu, e eu pra onde ia, onde era que eu me achava? E ainda por cima bebia. Não tinha outra saída. Mas não perdia a esperança de sair daquela vida”.
O tempo foi passando para Salete, quando se deu conta já era mulher. Saia do Brejo pra Milagres vivia com um senhor bem mais velho que ela. Um dia ela se depara com Mosa e resolve ajuda-la. Mosa morava em um casebre em Milagres, grávida e abandonada, doente. Salete resolve trazer Mosa pra morar com ela. Mas onde? Se ela não tinha nem pra ela. Ao chegar ao cabaré, as donas da casa noturna não permitiram. Salete enfatiza: “Elas disseram que queria mulher pra beber e pra puxar os homens. Retrucou e disse que enquanto arranjava um lugar ia deixar ela no alpendre. As madames disseram que não, de jeito nenhum”. Mas Salete foi persistente, arranjou uma casinha próxima ao cabaré, colocou Mosa. O Sr. Manoel de Bela e dona Gina sua esposa, os quais eram rezadores e muito caridosos, vendo aquela situação compadeceram-se. O casal resolve ajudar as duas mulheres. A casa era de Maguçu, vivia abandonada, com muita sujeira, mas alguns homens resolve ajudar. Faz a cama de estaca. Sr. Manoel de Bela (avô de Tico RC) paga uma consulta para Mosa (alguns a conheciam como Carmosa). O senhor que vivia com Salete trouxe comida e ajudou bastante. Continua com sua vida de prostituição, enquanto dava assistência a jovem durante o dia. Sempre trazia no coração no desejo de deixar a vida de prostituição. Certo dia uma dama da noite leva as crianças para o cabaré, porém escondidos dos comissários de menor. Salete tem uma idéia: cuidar dos filhos das outras que precisavam fazer sua vida noturna ganhando um dinheirinho para se sustentar.
A oração de Salete era diária pedindo pra sair daquela vida. Enfim, começa sua vida de cuidadora de crianças. Ela disse que às vezes tinha de 12 crianças pra cuidar das crianças das amigas, ganhando o dinheiro pra sustentar Mosa e sua filha. Quando a criança nasce, Mosa resolve dar a criança para adoção, por que Salete só vivia bebendo. Salete vai buscar a menina e resolve criar junto com mãe. O sofrimento foi grande para trazer a menina de volta. Cria Sandra e as outras filhas e Mosa, enche-se de orgulho ao falar de cada uma, inclusive dos netos que Deus lhe dera. Possui sua casa própria, e suas filhas também, um pequeno terreno na cidade de Missão Nova, um carro para andar (alguém dirige pra ela).
A vida desta mulher com suas frases de gratidão relembra que não tinha vida não, não tinha natureza não. Hoje, sente-se desprezada das amizades. Mas depois pensa: “por que eu vou sentir assim, se eu sou rica...”. Salete começa a recordar sua vida de Igreja, principalmente com a chegada das Irmãs Sacramentinas, principalmente a Irmã Maria do Rosário. Irmã Alice a intitulou a Samaritana do Brejo Santo. Um dia foi a cada dela Dr. Lucena e a Irmã Maria do Rosário, ajuda-la. Dr Lucena e Irmã Maria do Rosário, fizeram muitas cestas básicas e ajudaram. Enfim, ela se engaja na Pastoral da Saúde. Andaram muito fazendo missão nas casas dos pobres e dos necessitados. Como recompensa a sua vida foi melhorando, ela diz: “minha vida foi só sossego”.
Ao concluir minha entrevista pergunto: quem é Salete hoje? A resposta é imediata: “Eu sou dona Salete, a Samaritana que não conheci, estou afastada da Igreja por que não posso andar, mas quando quero me confessar Padre Pedro, vem e me confessa, ele conversa muito comigo”. Segue assim avida de Salete, amiga de todos.
Salete termina sua conversa deixando um recado a todas as mulheres: “Mulheres, usem a cabeça, não se descontrole, por que é se perder, se está achada se perde, não se iluda, saiba com quem anda, pode se divertir, mas saiba a hora que sair e hora que chegar. E nós que estamos na terceira idade, nós vamos comer, dormir, passear, se puder. E essas garotinhas, essas alunas novas use a cabeça milha filha, não se iluda não, não se prostitua não, vai se sentir humilhada, que é só humilhação por que engravida e essa vida não dá manjar, dá o fel. Meu desejo no dia internacional da mulher é que toda mulher se una, barco pra frente, se você vê uma pessoa deitada dê a mão, não exclua bêbedo não, lembre seu pai, do seu marido do e nem prostituta, pois tenho uma mágoa em minha vida, certa vez fui excluída por uma mulher da Irmandade do Santíssimo, mandou eu levantar do banco, primeiro banco pois ali não era lugar para uma prostituta sentar. Nós podemos amar, para usar a palavra amor tem que ter muito amor e fé. Eu peço: Me segura Senhor na minha a mão me dê teu cajado pra eu segurar e não cair. Aí Jesus me ajuda a levantar sempre. É isso que digo no dia Internacional da Mulher”.
No finalzinho ela ainda enfatiza: Tem um locutor que eu adoro que é Farias Junior, se eu pudesse todo dia eu lá na rádio, só pra conversar mais Farias, admiro, ele me escuta, quando olho pra ele lembro de Dr. Welington Landim, pessoa que adorava também. Pessoas do meu coração: Gislaine e Guilherme.”