*Por João Alves
Participar de um dos maiores festivais de moda do mundo é gratificante e de uma satisfação pessoal imensa, não dá pra mensurar o que sentir.
Mas muitos podem não pensar no processo que é fazer uma coleção, criar peças de roupas e a jornada que percorremos. E muito além disso, a importância dessa coleção nesse momento delicado que vivemos no Brasil, a importância de ser cearense e nordestino e levar a uma passarela onde os olhos do mundo inteiro estavam observando. Uma das coisas que importam para nós, alunos do Senac e acima de tudo, artistas por natureza, entrar nesse mundo da moda construído de glamour e padrão, é muito importante e de uma elevação profissional. A palavra que trago diante dessa experiência é ''RESPEITO''.
Quando Ariane Moraes, nossa querida instrutora do Senac Crato me colocou nessa rota, eu estava fazendo pesquisas sobre as culturas populares das cidades do Cariri: o jeito de falar, as roupas, as histórias de vida, o porquê de isso e aquilo existir. Eu precisava de base para criar histórias. Ao mesmo tempo, via o quadro político do Brasil mudar e me deparar com uma triste desunião e rejeição de alguns políticos a nós nordestinos, e o pior, sermos também renegados por irmãos brasileiros. Daí surgiu uma proposta de fazer uma coleção inspirada no Cariri e em mim tudo ficou misturado, um pouco de alegria, força de vontade, criatividade e desejo de justiça.
Nós ficamos em euforia ao sabermos que íamos participar da SPFW, mas uma das coisas que me preocupou foi o processo de criação. O que íamos mostrar? O que íamos fazer? Já tínhamos levado uma coleção do Cariri para a passarela, e não achei que daria para fazer de novo. Mas deu.
A Amapô Jeans liderada pelas estilistas Pitty Taliane e Carolina Gold, por sua vez, são duas paulistas de mente aberta e muito receptivas, onde o forte da marca vai além de ser uma empresa em crescimento. Elas vieram conhecer o Cariri, e diferente de muitos estilistas que olharam para nosso Cariri para fazer uma coleção, elas se entregaram de verdade e amaram o Ceará especificamente nossa região. O lado artístico soa mais alto em nós e é visível. Um dos pontos mais legais, foi que elas optaram pelo diferente, por desconstruir, e colocar na passarela pessoas "comuns" de um Brasil como ele é. Isso é estimulante, pois milhares de garotas e garotos por ai, sonham em um dia brilhar, mas se deparam com padrões de corpos e beleza que estão fora do alcance. Com os Nordestinos não é diferente e isso é mais intenso para nós. Então foi ótimo ter duas pessoas que rompem com essa fronteira absurda que dura anos e anos, nos ensinado o que é bom é bonito e o que é ruim é feio.
A gente cresce ouvindo falar que nossa terra é atrasada, quente, que não evoluiu e tudo de bom vem das bandas do Sul. Nas novelas e filmes eles “remendam” nosso jeito de falar como se fosse errado, e por ai ainda acham que não temos internet ou água encanada. Em pleno século 21 a gente se depara com isso. Mas eu também entrei nesse processo, vi amigos e colegas indo embora por que “aqui não tem nada”, e quando somos jovens queremos uma vida intensa e cobiçamos a agitação das capitais que vemos na TV. Eu fui crescendo e em mim amadurecendo meu lado pessoal e o artístico, entrando em contato com o que estava ao meu redor. Para criar histórias sobre o nordeste, desenhos e arte, eu precisava conhecer o meu lugar, respeitar, e fui me espantando e descobrindo que esse lugar é único.
A coleção “Um SerTão Cariri”, foi uma das mais lindas da semana da moda em São Paulo, e isso foi resultado de um trabalho que nordestinos fazem quando se unem. Nós temos essa força que apesar de dizerem a nós onde devemos estar e o que somos, a gente não baixa a cabeça pra ninguém. Nem mesmo para aqueles governantes que nos querem fazer sofrer. Então uniu-se uma maravilhosa equipe de alunos criativos, com artes e sabedoria peculiares, e ao Mestre Espedito, que é um exemplo de artista. Espedito inspira por não sair de sua terra e ganhar o mundo para se dizer artista, pois é justamente isso que nos dizem. “Ah, você devia ir morar em São Paulo”, “Ah, você devia ir para tal lugar”. Mas ai vejo Espedito com sua arte única e ganhando o mundo sem precisar morar numa capital.
Da mesma forma que não compramos tudo que vem de lá para cá, nós artistas do nordeste devemos respeitar o espaço que vivemos e mudar a nossa volta essa realidade. Devemos Ser inspiração para quem chega e ver que nossa terra é encantadora. E isso não vale só pelo Cariri, mas para o nordeste inteiro. Quando eu participei dessas criações com os colegas, estava havendo Vaquejada em Brejo Santo. Pesquisei a vida dos vaqueiros, pesquisei sobre as roupas, a história e todas as peças que foram inspiradas nos gibão dos Vaqueiros estavam lá.
Sobre a nossa arte de alunos o que posso dizer é que fomos genuínos, e juntos ao olhar da Amapô, e assim, surgiu uma coleção colorida, urbana, que mostra um nordeste que tá crescendo a sua maneira. Muitos podem estranhar os estilos da roupas. Mas nós sabemos a importância de cada peça ali, costura e paetê, deu trabalho, e é cansativo, foi feito com cuidado e pesquisa. Eu por exemplo, optei por pintar uma peça de roupa a mão, com artes da região, com cores fortes, e que se forem procurar, cada desenho daquele tem uma história e vem de outros artistas que dão vida ao lugar.
E eu não fiz isso sozinho, NÓS fizemos, e agora é hora dos artistas se unirem, pois melhor que conquistar um sonho sozinho, é conquistar algo ao lado de alguém que ama a arte. E unidos ninguém nos destrói facilmente.
Um obrigado ao Senac Ceará pela oportunidade, Ariane Moraes, Espedito por ter encarado mais um desafio, e a Amapô que nos elevou.