sábado, 11 de março de 2023

61% das vítimas de violência doméstica admite que filhos presenciaram agressão no Ceará

Levantamento realizado pela Defensoria Pública do Ceará (DPCE) revelou uma outra face da violência doméstica— mostrando que ela pode se perpetuar na família. Isso porque o estudo ouviu 518 mulheres que foram alvos desse tipo de comportamento. Dessas, 71,04% têm filhos com o agressor e 61%, mais da metade, disseram que os filhos presenciaram as cenas violentas.                                


O levantamento foi realizado pelo Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem), que atende a mulheres vítimas desse tipo de agressão. Só em 2022, houve 8.296 atendimentos registrados. 


Um total de 518 dessas mulheres que buscaram o órgão no ano passado aceitaram participar do estudo, que tem como objetivos "identificar quem são essas vitimas, se vivenciaram situações de violência na casa dos pais, se conhecem a Lei Maria da Penha, se ainda residem com o agressor ou têm filhos com ele e quanto tempo viveram na situação de violência até a realização da denúncia".                            

                

Das mulheres ouvidas, 40% disseram que sofrem com a violência há seis anos. Além disso, 20% delas afirmaram que vivenciaram a violência doméstica na casa dos pais quando criança ou adolescente.


Hoje, elas saíram do lugar de expectadora e passaram a ser o alvo desse tipo de comportamento — mas a história parece se repetir na família. Isso porque 71,04% das mulheres entrevistadas têm filhos com o agressor e 61% delas revelaram que as crianças e os adolescentes presenciaram as cenas violentas.


Segundo Anna Kelly Nantua, defensora pública que atua no Nudem, o dado é alarmante, dentre outros motivos, porque tem um impacto negativo no desenvolvimento dos filhos que vivenciam agressões cotidianas. Alguns podem, até mesmo, apresentar ou ter uma piora do quadro de sofrimento psicológico.


"É comum a gente perceber nos nossos atendimentos que as mulheres que procuram atendimento estão psicologicamente adoentadas e elas relatam a necessidade de acompanhamento psicológico para elas e para os filhos", conta ainda a representante, descrevendo a situação da maioria das atendidas.


Filhos podem reproduzir violência na vida adulta?

Quando as mulheres saem de expectadoras para vítimas, e seus filhos passam a ser os expectadores, significa que o ciclo da violência doméstica perpetua entre as gerações? "A gente vê uma continuidade dessa violências na família, o que é muito preocupante (...) Esses filhos no futuro têm grande propensão de serem agressores ou de serem vitimas, no caso de mulher, porque cresceram no ambiente onde a violência era cotidiana (...) Vão aceitar que aquilo ali é algo comum", explica a defensora Anna Kelly.


Ana Cristina, psicóloga do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca), frisa que "crianças e adolescentes têm no ambiente familiar um lugar de acolhimento permeado de carinho", que pode virar sentimentos de medo e de ansiedade frente a cenas violentas.


"As emoções se tornam confusas e as relações acabam por tornar-se conflituosas, pois o que seria uma relação de identificação entre filho e pai (ou outra pessoa do sexo masculino), pode desencadear uma série de entendimentos errôneos acerca do que possa ser uma relação saudável (...) A criança ao presenciar essas situações de violência pode querer 'tomar partido' da mãe ao vê-la em momentos de agressões e, em momento impulsivo, se envolver na agressão, podendo causar danos físicos", destaca.


Em relação ao papel familiar no desenvolvimento de crianças e adolescentes, a representante do Cedeca pontua como a violência afeta no desenvolvimento escolar de quem presencia as agressões, destacando: "Vítimas de violência, diretas ou indiretas, costumam apresentar alterações de humor, (alterações na) percepções da realidade, bem como sintomas ansiosos. No caso de vítimas em idades escolares, o prejuízo no aprendizado é imenso e, uma das consequências, pode ser a evasão escolar por não conseguir acompanhar a dinâmica das aulas".


Já sobre a reprodução da violência, a psicóloga explica que, no caso de filhos homens que presenciam as agressões, eles pode sim "acabar reproduzindo as mesmas atitudes violentas do genitor e agredindo a mãe sem entender a gravidade da situação". Ainda assim, ela pontua que "é preciso ter cuidado ao afirmar que a violência doméstica pode ser um fator decisivo na formação de uma personalidade agressiva".


"A tendência em repetir os comportamentos de agressores, quando este é o pai ou o responsável direto, é grande, pois o entendimento de que os atos dessa pessoa é a referência da verdade. Com isso, a permissividade de agressões dentro de relações termina por ser naturalizada e a criança/adolescente assume comportamentos agressivos pela vida, caso não tenha apoio especializado para ressignificar o lugar da violência em sua vida", frisa a profissional.


Já sobre o impacto no desenvolvimento de meninas, Ana destaca que garotas que presenciam a mãe sendo vitima de violência doméstica podem acabar naturalizando a situação, principalmente quando observam que a genitora não rompe com o ciclo. Isso as deixam mais vulneráveis também ao machismo.


"Crianças que se identificam com o gênero feminino, ao ver sua mãe ou responsável sendo vítima de violência e não abandonar o local agressivo onde é colocada, podem naturalizar relações violentas e machistas no decorrer de sua vida, perpetuando o ciclo de violência durante sua vida. A dependência financeira e emocional de muitas mulheres em relação ao parceiro pode naturalizar na criança e no adolescente, que acompanha essa dinâmica, o entendimento de que a dependência é natural, dando continuidade da dependência em sua trajetória pessoal", dispara. 


Violência doméstica não tem rosto

As 8.296 mulheres que procuraram pela ajuda do Nudem em 2022 são apenas uma parcela das vítimas de violência doméstica no Ceará. De acordo com um levantamento feito pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJCE), só de janeiro a julho do ano passado foram concedidas 12.121 medidas protetivas para mulheres vítimas desse tipo de agressão na Unidade Federativa, uma média de 67 concessões por dia.


Dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado (SSPDS) apontam que, nesse mesmo intervalo de tempo, 10.661 vítimas acionaram a Lei Maria da Penha. Somente em julho foram 1.555, com o mês registrando o equivalente a 50 mulheres sendo agredidas por dia.


Segundo a defensora pública Anna Kelly, a violência doméstica pode ser física, psicológica, patrimonial, sexual ou moral. Não há um perfil único de vítima, pois todas as mulheres são expostas a esses tipos de agressões. "Nosso núcleo (Nudem), atende a mulheres de todas as faixas etárias. São jovens na sua grande maioria, mas a gente atende idosas, mulheres que querem se divorciar, que estão a muitos anos em um ciclo de violência", conta a representante.


De acordo com dados da pesquisa do Nudem, das 518 mulheres atendidas, 31,08% das vítimas tinham entre 26 a 35 anos, 25,29% pertenciam à faixa etária entre 36 a 45 anos, 20,27% estavam entre 18 a 25 anos, 18,34% entre 46 a 59 anos e 4,05% acima de 60 anos.


Já em relação a raça, o estudo mostrou que a maioria das participantes (82%), eram mulheres pretas ou pardas e que em 67% dos casos o agressor já é reincidente. Contudo, a defensora explica que esse é apenas um recorte, pois o núcleo é procurado em grande parte por vitimas em vulnerabilidade.


"A violência doméstica ela atinge a maioria das mulheres de classe social baixa (...) Mas é importante destacar que a violência doméstica não atinge só mulheres pobres", destaca a defensora. 


Onde procurar atendimento para vítimas de violência doméstica

JUAZEIRO DO NORTE

ONDE: avenida Padre Cícero, nº 4.455, no bairro São José (Casa da Mulher Cearense)

TELEFONE: (85) 9.8976.7750


QUIXADÁ

ONDE: rua Luiz Barbosa da Silva esquina com a rua das Crianças, no bairro Planalto Renascer (Casa da Mulher Cearense)


SOBRAL

ONDE: avenida Monsenhor Aloísio Pinho, s/n, no bairro Cidade Gerardo Cristino (Casa da Mulher Cearense)


CAUCAIA

ONDE: estrada do Garrote, nº 1.310, no bairro Cabatan

TELEFONES: (85) 3194.5068 ou 3194.5069 – 8h às 14h

E-MAIL: caucaia@defensoria.ce.def.br


MARACANAÚ

ONDE: avenida 1, nº 17, no bairro Jereissati I (Shopping Feira Center)

WHATSAPP: 85 9.8400.6261 – 9h às 15h

LIGAÇÃO: 85 3371.8356 – 9h às 15h

E-MAIL: maracanau@defensoria.ce.def.br


FORTALEZA

ONDE: rua Tabuleiro do Norte, s/n, no bairro Couto Fernandes (Casa da Mulher Brasileira)

TELEFONE: (85) 3108.2999 (24 horas)


CRATO

ONDE: rua André Cartaxo, nº 370, no Centro

TELEFONE: (88) 3695.1751 / 3695.1750


 *Fonte: O Povo